(Publicado em 8 de maio de 2001)
Vi na TV, dia 7 de maio [de 2001], uma entrevista com o deputado estadual e presidente da Assembléia Legislativa do Maranhão, Manoel Ribeiro. Trata-se de um ferrenho adversário da campanha pela criação do Estado do Maranhão do Sul. Um adversário de respeito: parece ter topete para encarar brigas (pelo menos, com a população imperatrizense e seus parcos e fracos representantes), tem mantido seu cargo de presidente há muitos mandatos, assim como tem mantido sua propalada riqueza patrimonial e financeira. Também, é amigo da governadora maranhense, que, por sua vez, já se manifestou liminarmente contrária à criação do Maranhão do Sul. Como se vê, por esse “currículo”, os defensores da criação de um novo Estado têm uma pedreira pela frente.
“POLITICAGEM” - Acontece que o deputado declarou em alto, bom e arrogante som, em um restaurante da cidade, que está vindo a Imperatriz “com uma campanha forte” [contra o Maranhão do Sul]. Continua o deputado, textualmente: “Não farei, não faço política aqui, mas a partir dagora vou fazer política aqui e vou ser radicalmente contra essa divisão, porque nós não vamos dividir o que é nosso, vamos é somar. Considero isso politicagem [a campanha pró-Maranhão do Sul] e não vou aceitar. O Maranhão não se divide, soma-se. Dividir por quê?”
A análise do discurso desse deputado aponta carências de toda sorte: falta de memória, falhas de raciocínio, ausência de um só dado factual, técnico, histórico, científico. Só é competente em fazer política, porque a maioria se impressiona com a aparência fogueteira de certos pronunciamentos.
“SPARRING” - Tivesse Imperatriz representantes com destemor e competência intelectual, tivesse essa cidade uma classe empresarial menos amordaçada pelos interesses pessoais ou corporativos e menos refém da espada de Dâmocles do Fisco Estadual, tivéssemos lideranças mais efetivas e menos estatutária, com conteúdo para encarar debates, tivéssemos uma sociedade civil mais organizada e consistente, tivéssemos uma Imprensa mais fortalecida, que se preocupasse menos com casos e mais com causas, tivéssemos isso e algo mais e pessoas com posicionamentos assim, dito na nossa casa/cara, certamente levariam o troco que merecem -- preservado, claro, o democrático e justo direito de dizer o que se quer, bem como ouvir o que não quer... Não se é contra o debate, não se quer eliminar a priori as (im)posturas contrárias aos que querem um novo Estado ao sul do Maranhão. Não é isso. O que se não deve aceitar é essa eterna postura de sparring da sociedade imperatrizense, que não se cansa de levar socos e golpes verbais, políticos, tributários etc.
Mas, vejamos alguns dos argumentos do presidente da Assembléia Legislativa maranhense:
“O Maranhão deve continuar o mesmo, no mesmo tamanho, na mesma grandeza”. – Não adianta o Estado manter esse tamanho (não diria “grandeza”), se o “tamanho” dos indicadores socioeconômicos maranhenses não aumentarem consideravelmente. Afinal, o Maranhão existe desde 1534 e seus principais indicadores ainda mantêm-se inferiores aos da maioria das demais Unidades Federativas, inclusive as criadas mais recentemente. Por exemplo, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Maranhão é de 0,550, enquanto o Estado do Tocantins, com 12 anos de criação, já alcança 0,590 e o Mato Grosso do Sul, criado em 1977, é de 0,850 (este, superior até mesmo ao Estado de origem, o Mato Grosso, cujo índice é 0,770). Para não cansar em exemplificações, o Maranhão também perde em analfabetismo funcional e em mortalidade infantil. É menor também a renda por pessoa (renda per capita - RPC): enquanto o Maranhão, com 1% da riqueza brasileira (PIB – Produto Interno Bruto), apresenta US$ 869,00 de renda anual por pessoa, o Estado do Tocantins, com apenas 0,2% já chegou a US$ 658,00 e o Mato Grosso do Sul já atingiu US$ 3.507,00, quatro vezes mais que o Maranhão, e com apenas 23 anos de criado. (A renda média do Brasil é de US$ 3.401,00). Pergunta pra deputado responder: Por que será que, em quase 500 anos de história, o Maranhão apresenta indicadores tão desgraçadamente inferiores, com solo, água, condições estratégicas e outros recursos tão infinitamente superiores aos de outros Estados?
“Nascer no Maranhão, morrer no Maranhão. As pessoas que migraram para cá [Imperatriz] querem continuar no mesmo Estado”. – Quem veio para cá, não veio propriamente para o Estado do Maranhão -- veio para um “estado de oportunidades”. É o constitucional e sagrado direito de ir e vir (jus eundi) em qualquer parte do território nacional e estabelecer-se com uma atividade ou profissão. Tanto que, quando se desiludem pela falta de apoio ou de perspectivas, as tais “pessoas que migraram para cá” e até mesmo as que já eram daqui vão estacionar seu carro e seus recursos de tempo, esforço e dinheiro em outro local, longe de Imperatriz e do Maranhão. Os latinos, baseados em Cícero, já diziam: “Ubi bene, ibi patria” -- Onde se está bem, aí é a pátria.
“Nós vamos construir o Maranhão grande, vamos tornar o maior Estado do Brasil”. – Puro delírio ufanista. Não dá para comentar. Essas palavras só podem ser consideradas como verdade se analisadas pelo aspecto retórico, emocional ou, deploravelmente, político.
“Se nós formos olharmos [sic] o tamanho de Goiás e do Tocantins, do Mato Grosso...” -- O deputado agride a Língua e a Cultura popular, que diz que “tamanho não é documento”. Aliás, pela pesquisa que fiz, salvo melhor juízo ou cálculo, apenas dois países (a Austrália e o Canadá), entre as 196 nações do mundo, têm média de tamanho territorial maior que a do Brasil, em termos de área do país dividido pelo número de Estados ou Unidades Federativas. A Austrália tem, em média, 853 mil quilômetros quadrados (km2) por Estado, e o Canadá, o país mais desenvolvido do mundo, tem 766 mil km2. A média brasileira é de mais de 300 mil km2. No dicionário da geografia das nações, do “A” do Afeganistão ao “Z” do Zimbábue, são muitos os países que têm um número bem maior de Unidades Federativas que o do Brasil: Afeganistão, 31; Albânia, 36; Argélia, 48; Egito, 27 (o mesmo tanto do Brasil, só que com um território de 1 milhão de km2, mais de oito vezes menor que o território brasileiro); Espanha, 50 (e apenas 505 mil km2); Estados Unidos, 51; México, 32; Turquia, 67. Se se considerar a média Estado/área territorial, praticamente os quase 200 países do mundo têm, em média, melhor divisão que o Brasil.
“Vamos formar em dois Estados miseráveis, desgraçados, pior do que já somos” [sic]. – É isso mesmo, sem tirar nem pôr. O Excelentíssimo Senhor Presidente da Assembléia Legislativa do Estado do Maranhão afirma que o Estado de onde há anos e anos ele tira voto, poder, influência e riqueza não passa de um “Estado miserável, desgraçado” e, se for dividido, tornar-se-á “pior” do que já é. Isso não é uma declaração política, é quase um atestado de óbito, uma declaração de falência pela falência múltipla de múltiplos órgãos (políticos inclusive). À consideração da Senhora Governadora.
“Reconheço, reconheço [que Imperatriz e região sul do Estado], ao longo dos governos, têm sido muito desprestigiadas, que há um débito do Estado para com esta Região”. – Sem comentários. Precisa dizer mais alguma coisa? (Em uma coisa, pelo menos, o deputado estadual tem razão quando pergunta pela força política de Imperatriz e região. Bem feito para nós. A debilidade de nossos poucos políticos, a precariedade de estrutura da nossa classe empresarial -- não falo de construção de prédios, mas de consistência de idéias, de destemor rumo ao confronto --, a absoluta ausência de um espírito solidário que una a todos em nome de uma causa comum, têm transformado Imperatriz numa Hiroshima de mentalidades, de estratégia, de erguimento do próprio futuro a que temos direito. Por ser rarefeita politicamente, esta cidade vem pagando um alto preço, que é descontado no seu futuro. Todo mundo se pergunta por que Imperatriz, tendo mais de 130 mil eleitores, só tem, em quantidade e qualidade, as representações políticas que tem. São andorinhas solitárias, um deputado aqui e outro acolá, poucos vereadores com substância e sentido, lideranças comunitárias sem visão, uma maioria empresarial limitada, limitante e limitadora, políticos menores, sem experiência de vida e ofício, sobretudo, políticos sem ousadia criativa, sem audácia inovadora, que se escondem atrás do biombo do “bom-senso”, da “maturidade”, da “diplomacia”, do “vamos com cuidado”, da aurea mediocritas horaciana e outros túmulos da velha, boa e pouco aprendida arte da guerra contra o atraso econômico, contra a empáfia política, a arrogância do Poder, o servilismo do interesse privado, que fede como a privada que fede. Tudo isso provém do medo. “De todos os instintos rasteiros –- é Shakespeare quem fala, pela boca de Joana d’Arc --, o medo é o mais amaldiçoado.”
“Não farei, não faço política aqui, mas a partir dagora vou fazer política aqui e vou ser radicalmente contra essa divisão, porque nós não vamos dividir o que é nosso, vamos é somar. Considero isso politicagem [a campanha pró-Maranhão do Sul] e não vou aceitar. O Maranhão não se divide, soma-se. Dividir por quê?” – Se o deputado considera essa campanha “politicagem”, a “sua” campanha (campanha “forte”) deve ser considerada o quê? Ato de heroísmo? Gesto de filantropia? Estímulo ao debate, deve ser. Aliás, a afirmativa “nós não vamos dividir o que é nosso” quer dizer o quê? O que é que é “nosso” mesmo? Um Estado “miserável e desgraçado”, de acordo com as palavras presidenciais do deputado? Então, se isto aqui é miséria e desgraça, não faz mal nenhum dividi-las? Ou os senhores “capitalistas ilhados” de São Luís vão querer primeiro tornar rica esta parte de cá do Maranhão para só depois dividi-la? Se não querem deixar seguir seu destino enquanto é “miserável”, imagina o que não farão se ela não o fosse? Ou será que esses “insulados capitalistas” sabem do potencial e das riquezas estratégicas desta região, sabem do grande, enorme futuro que o sul do Maranhão terá e, maquiavelicamente, tentam construir falsos ou frágeis argumentos para engabelar estas gentes de cá? Já se viu aqui, antes, muitos políticos de São Luís com muito conversa mole botando este povo-boi pra dormir.
Se o boi soubesse a força que tem, não se deixava ferrar nem tirar o couro. Ah! povo-boi...
(P. S. – Vamos acompanhar detidamente as palavras e a “campanha forte” do sr. Manoel Ribeiro). (E. S.)
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Foto: Aspecto da Chapada das Mesas, vista do alto do Morro do Chapéu, em Carolina - MA. (Do site http://www.skyscrapercity.com/)