(Artigo publicado na "Coluna do Edmilson Sanches", jornal O Estado do Maranhão, de 26 de março de 2007, segunda-feira. A coluna é publicada desde 7 de abril de 1985.)
Dividir é, em geral, algo positivo. É BBB -- bom, bem, belo.
Seja na religião ou na filosofia, na geografia ou na geologia, dividir veio para somar, multiplicar.
Dividir é, mais que tendência, uma constância.
Na espiritualidade cristã, o principal símbolo da religião não é (ou não devia ser) a cruz, mas o pão, que se parte e reparte, que se partilha e compartilha. Que se divide. Dividir é quase divinizar.
Na filosofia, dividir o conhecimento é multiplicá-lo. Compartilhar o saber com o outro é ampliá-lo em si mesmo. O conhecimento, assim como o amor, é daquelas "coisas" que quanto mais se repassa para outrem mais se reabastece em si. É dividindo que se recebe...
Na geologia, nem o planeta Terra agüentou a unicidade continental da Rodínia, nome dado ao supercontinente único de um bilhão de anos atrás. Depois de existir por 250 milhões de anos, Rodínia, a terra primeira, a "terra natal", ao sabor dos bamboleios e remelexos líqüidos e incertos das placas tectônicas, dividiu-se e refundiu-se, tornou-se Pannotia (há 600 milhões de anos), transformou-se em Pangéia (há 540 milhões de anos). E até aí era tudo um território só...
Mais alguns requebros e quebras, e Pangéia, 200 milhões de anos pra trás, bipartiu-se e deu à luz dois formosos supercontinentes: Laurásia e Gondwana, esta aqui embaixo, no sul. Na Gondwanaland (como escrevem os de língua inglesa), estavam as atuais terras sul-americanas, brasileiras, nordestinas, maranhenses.
Mais algumas dezenas de milhões de anos depois, Laurásia e Gondwana, como mestre-sala e porta-bandeira, sambaram ao sabor dos fluxos e refluxos do magma fervente e dividiram-se. E em cima da geologia de ontem (e bota ontem nisso...) a geografia de hoje, com régua e compasso, com astrolábio, bússola e GPS, com teodolito, luneta e telescópio, astronaves e satélites, diz que a neoproteozóica Rodínia, a pré-cambriana Pannotia, a mesozóica Pangéia e as jurássicas Gondwana e Laurásia transformaram-se nos seis continentes atuais -- África, América, Antártica, Ásia, Europa e Oceania, que se espalharam por 150 milhões de quilômetros quadrados e ocuparam pouco mais de 29% da superfície total do planeta (os demais 70% estão cobertos pelas águas).
Aí, entre 130 mil e 200 mil anos atrás (pelas contas da ciência, pois na religião o assunto é de fé e respeito), surgiu o ser humano, na mãe África. Quarenta mil anos depois, muitos desses nossos antigos irmãos (ou mamães e papais) chegaram à Europa e à Oceania. Por fim, há 10 mil anos, chegaram às terras nossas, o continente americano.
E vai daqui, vai pr'acolá, o ser humano duas vezes sábio (Homo sapiens sapiens) criou, em cima da Geografia Física, a Geografia Política, que prescinde dos balanços e solavancos tectônicos. O ser humano pegou um papel, desenhou o mundo e, briga daqui, negocia dali, repartiu os continentes em países, estes em regiões, estas em estados, províncias, departamentos, condados etc., estes em municípios, cidades, comunas etc., que se dividem em bairros ou distritos, passam por quarteirões, andam por avenidas e ruas e praças e becos e chegam até às nossas casas ou aos locais de trabalho, lazer e coisa e tal.
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Quando o século 20 chegou, o mundo contava 75 países. Hoje, já são mais de 200 -- 194 deles participantes da ONU (Organização das Nações Unidas).
O Brasil começou com 14 capitanias hereditárias, em 1534. Hoje são 27 estados, incluindo-se o Distrito Federal. (Observação: O Brasil já tinha em 1504 uma capitania, doada por d. Manuel a Fernão de Noronha. Era a Capitania de São João, que não prosperou e hoje exporta beleza e natureza -- o arquipélago de Fernando de Noronha, pertencente ao estado de Pernambuco, depois de uma existência como unidade federativa – território -- que durou 46 anos, de 1942 a 1988).
Em 1890 o estado do Maranhão tinha 10 municípios. Em 1930 eram 27. Atualmente são 217. E na fila de espera tem mais propostas de autonomização de distritos. (Outra observação: O número de capitanias hereditárias na primeira metade do século 16 aumenta de 14 para 15 se for considerado que a capitania do Maranhão era dividida em duas.)
Os primeiros registros até agora disponíveis sobre movimento separatista no sul do Maranhão referem-se ao ano de 1817 (190 anos neste 2007). Nesse ano, intelectuais de outros pontos do Brasil chegaram à região de Pastos Bons, após participarem de malsucedida luta revolucionária em Pernambuco. Pretendendo continuar a luta, tentaram criar a República de Pastos Bons, como registra Carlota Carvalho em seu livro O Sertão.
Dunshee de Abranches, no seu livro A Esfinge de Grajaú registra o alerta de estes “rincões” acabarem “no futuro por formar um estado independente, talvez uma vasta República”, “se as coisas não mudarem” e “continuarem estes rincões abandonados, oprimidos e massacrados pelos governos”.
1973: A Câmara dos Deputados cria a Comissão de Estudos de Redivisão Territorial do Brasil. Objetivo: "Promover o estudo dos problemas relativos à constituição de novas unidades federativas, através da redivisão das existentes”.
1973: No dia 13 de setembro, Siqueira Campos apresenta sua Sugestão para Redivisão Territorial da Amazônia Legal, onde se propõe a criação do Território do Gurupi, com desmembramento do Maranhão. A capital seria Imperatriz e a nova unidade federativa teria área de 207.451 km2.
1974: O Brasil assina a Declaração de Bucareste (Romênia), que trata da divisão dos espaços territoriais.
1975: A Câmara Federal cria a Comissão Especial de Redivisão Territorial e Política Demográfica.
1976: Movimento para criação do estado do Tocantins, com porções territoriais do norte de Goiás e do sul do Maranhão. Na liderança maranhense do movimento, o vereador imperatrizense Joaquim Paulo de Almeida.
1977: O Relatório Final da Comissão Especial de Redivisão Territorial e Política Demográfica, da Câmara Federal, recomenda a “urgente criação do Estado do Mearim, tendo como capital Imperatriz”. Criado o estado do Mato Grosso do Sul.
1987: No dia 22 de maio, reunião, no Juçara Clube, em Imperatriz, da Comissão de Sistematização da Assembléia Nacional Constituinte, para discutir projeto de redivisão territorial do Maranhão, conforme proposição do deputado federal imperatrizense Davi Alves Silva. O jornal O Progresso deu farta cobertura e publicou um suplemento especial, organizado pelo jornalista Edmilson Sanches. Na primeira quinzena de junho o projeto é votado na Comissão de Organização do Estado e é aprovado por 45 votos contra 6. Em 26 de junho, o relatório é concluído e entregue ao presidente da Comissão de Sistematização, senador Afonso Arinos. O artigo 41 das Disposições Finais e Transitórias do que seria a Constituição Brasileira prevê textualmente: “Fica criado o Estado do Maranhão do Sul, desmembrado de Estado do Maranhão, com capital na cidade de Imperatriz”. Na votação em plenário, entretanto, o projeto não foi aprovado. Em 1988, a Constituição cria dois estados: Tocantins e Amapá, que saiu da condição de território.
1995: Em 8 de junho, o deputado federal maranhense Roberto Rocha apresenta ao plenário da Câmara dos Deputados projeto de decreto legislativo visando a realização de plebiscito sobre a criação do estado do Maranhão do Sul. Após tramitar durante um ano e nove meses, o projeto é arquivado, em 7 de março de 1997.
2001: Retomada a luta pela criação do novo Estado, com a criação do Comitê Pró-Criação do Maranhão do Sul, em Imperatriz, e posterior apresentação de projeto, do deputado federal Sebastião Torres Madeira.
2007: Aprovada em comissão do Senado proposição do senador Edison Lobão para realização de plebiscito, onde maranhenses deverão se manifestar sobre se aprovam ou não a criação do pretendido novo estado.
Na Enciclopédia de Imperatriz (2002) escrevi que:
...o Maranhão do Sul teria área de 146.539 quilômetros quadrados (km2) e população de 1.126.050 habitantes (dados de 2002, atualizados pelo IBGE). 62% da população estariam nas cidades e 38% na zona rural. A riqueza econômica, medida em 1996 (antes, portanto, da criação dos novos municípios) era de 1 bilhão e 300 milhões de dólares.
...o novo Estado teria, em termos de representação política, 22 deputados estaduais, 8 federais e 3 senadores.
...os três maiores municípios em extensão territorial são: Balsas, com 13.141,64 km2; Alto Parnaíba, com 11.132,11 km2, e Mirador, com 8.609,82 km2.
...em população, Imperatriz é o primeiro, com 231.134 habitantes; Açailândia, o segundo, com 93.455, e Barra do Corda, o terceiro, com 78.468.
...os recursos totais transferidos para os 49 municípios do Maranhão do Sul, em 2001, somam R$ 301.954.067,00, o que corresponde a apenas 19,19% do total do Estado do Maranhão (R$ 1.572.896.807,00).
Louis-Antoine Macarel (1790—1851), criador do ensino do Direito Administrativo na França, escreveu que “a divisão territorial é a única base sobre que se devem levantar as principais instituições do edifício constitucional”. Na época, meados do século 19, a França tinha 32 estados; hoje são 100, em um território de 544 mil quilômetros quadrados, ou 39% a mais do que o território do Maranhão.
Milton Santos (1926—2001), notável geógrafo de reconhecimento mundial, falando na Câmara de Deputados: “A realidade já mostra uma nova divisão territorial do Brasil, que, creio, vai exigir representatividade política, reclamar e participar do jogo das decisões que concernem à construção do futuro”.
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Ilustrações: Os mapas do supercontinente Pangéia e após dividido em Gondwana e Laurásia.